O Dia Internacional da Mulher expressa um
traço poroso da história universal, que se integra à agenda anual, como uma
forma de trazer, de tempos em tempos, narrativas de luta e conquista, ao meio
de uma sociedade desigual. Trazer à tona fragmentos da história para que essas
memórias não caiam no esquecimento e, com isso, o passado volte a se repetir.
Entre elas, a mais lembrada: 130 tecelãs foram queimadas vivas em seu ambiente
de trabalho por protestarem, em 1857, na cidade estadunidense de Nova Iorque.
No
Brasil, as conquistas se contrastam com as desigualdades entre feminino e
masculino. Em 1917, operárias têxteis da Fábrica Crespi dão início ao mais
importante movimento grevista de São Paulo. Quinze anos depois, em 1932, foi
conquistado o direito feminino de voto no Brasil, mas se contrasta, ainda hoje,
com salários menores das mulheres. No período de modernização acelerada na
ditadura militar, conhecido como “milagre econômico”, as mulheres entraram
maciçamente no mercado de trabalho, acentuando mais a desigualdade classista
sofrida por elas. Foi o momento de voltar a proclamar o direito à cidadania e
denunciar a dominação patriarcal.
A
ditadura militar produziu, paradoxalmente, uma rica contracultura. A luta da
mulher em defesa da igualdade civil se fortaleceu na abertura política, em
1985, ao mesmo tempo em que o mercado passou a promover um culto californiano
do corpo feminino. A luta por mais direitos civis se estendeu, também, na busca
de libertação das forças dominadoras e alienantes do mercado, como o processo
de fetichização do corpo da mulher
nas vitrines e na paisagem televisiva.
Esse
cenário fortaleceu os movimentos feministas, estando na linha de frente contra
os preconceitos de raça, de etnia, de gênero e de classe. Dessa rica
experiência de luta, integra-se ao debate a discussão de gênero, que rompe de
vez com o debate sobre o sexo como um atributo da natureza humana.
Mas não
há dúvida de que os espaços independem da condição de gênero. O maior exemplo
da história recente vem da própria Dilma Roussef, primeira Presidenta do Brasil.
Do condicionamento sexual às identificações de gênero
As
imagens que definem os papéis do feminino na nossa cultura são pautadas na
tríade sexo, gênero e desejo. Tinha-se o princípio de que se a criança nascesse
com pênis, automaticamente seu gênero deveria ser masculino e o seu desejo seria
pela vagina. Essa forma de agregar o sexo ao seu oposto é uma construção
imaginária que naturaliza as relações sexuais. Automaticamente surgiam os
anormais, os desvios, os errantes que não entravam nesta lógica que favorecia a
moral dominante.
O movimento
pós-feminismo, que trabalha com o gênero como categoria de análise, passa a
enfatizar a construção da sexualidade, desconstruindo essa tríade de
naturalização do desejo sexual. Isso significa dizer que o gênero, o desejo e
os papéis sociais não são definidos pelo sexo. Assim, a sexualidade é
construída.
Esta
proposta de desconstrução da tríade que condiciona o sexo força à sociedade a
ver e aceitar novas possibilidades de viver a própria sexualidade. Isso é
revolucionário. Revoluciona a moral. Provoca alterações no campo político, estético
e ético.
No
século XIX, temos as pinturas de Dubret (sendo que o pintor francês chega ao
Brasil em 1816). Hoje temos filmes de Pedro Almodóvar. Mesmo que o preconceito de
gênero continue e as mulheres e homossexuais, em determinadas situações, sejam
considerados "anormais" ou inferiores por uma parte da sociedade, ou
ainda, parte dessa "anormalidade" alimente o capitalismo (mulheres em
media ganham salários inferiores aos homens), essa temática hoje tem visibilidade.
Mas do que isso, o fato de trabalhos como o de Almodóvar integrar os produtos
da indústria cultural e as políticas públicas brasileiras considerarem esta
variante no quadro da diversidade, são sinais de que há uma mudança subjetiva no
imaginário social. Um sinal de que essa luta tem alcançado resultados.
Obras como a de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que pintava o cotidiano e intimidades no Brasil Colônia, passaram a ser fonte de pesquisa na História.
Por José Isaías Venera
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